quinta-feira, abril 27, 2006

_a cama é curta

_somos seres interessante… hoje vou ser puramente descritivo, um antropólogo alienígena.

_estou sentado num café, tomei o pequeno-almoço, fumo agora um cigarro. Esta é uma situação banal do meu quotidiano mas hoje medito. São 10.15 da manha, não existe grande movimento, estão aqui reunidas cerca de 20 pessoas contando com os empregados. Sou o mais novo deste espaço. Pedi um galão e uma tarte de maça… não tinham nenhum croissant. Tiro mais um cigarro.

_não quero invadir o espaço de ninguém mas, não consigo deixar de prestar atenção às conversas dos outros. Falam de viagens, falam de novelas, falam de nada… duas senhoras à minha frente, de cabelo branco carregadas de laca, trocam impressões sobre vizinhas. Três homens à minha esquerda, quase carecas, curvam-se sob a necrologia. Aqui e ali os restantes espalham-se pelas mesas. Estou sentado no canto, um espelho reflecte as minhas costas e o exterior à direita

_sinto-me observado... sou um ser estranho, que escreve num canto. É a primeira vez que venho aqui, ninguém me conhece, não sabem o que escrevo. Na minha diagonal senta-se um jovem de talvez 25, 27 anos, também esta só, lê um livro, não fuma. Ninguém repara nele, talvez seja cliente habitual.

_o tempo passa, fala-se agora de futebol, fazem-se contas, o barulho das máquinas é constante.

_um homem de aspecto sujo espreita pelo vidro, entra. Conversa pouco mais de 30 segundos com a senhora de azul... ela parece reconhece-lo mas vira o rosto com ar de incómodo. Ele sai…

_novo cigarro. O outro jovem sai. Estou completamente só entre a classe sénior. Anos e anos de sabedoria em meu redor. Rugas de expressão, mãos engelhadas, roupas antigas… todos os poros desta gente imanam percursos vida, consigo cheirar a crueldade do sistema, ao qual dedicaram uma vida e que agora os descarta.

_vou à casa de banho.

_regresso. Estou de volta ao burburinho. Na minha ausência olhei-me ao espelho, agora sinto-me bonito, sinto-me novo, ingénuo neste ambiente. Estou rotulado por todos, sou diferente.

_acabo de pedir um café… tenho que preparar a minha retirada. No entanto tenho pena… gosto da sobriedade deste espaço, existe respeito, amabilidade. Ninguém fala alto, não partem louça… mas não pertenço aqui.

_o café chega com um sorriso, por pouco não se entorna.

-“não aconteceu nada! Isso é que interessa! “ – diz o empregado de mesa.

_Também solto um sorriso, ele tem plena razão.

_puxo outro cigarro. Penso, tento tirar conclusões, lições de moral de todo o que vi… pergunto-me também para quê? Está tudo bem claro, está tudo neste espírito.

_vejo algo muito simples, vejo a cegueira, vejo que cada um de nós, seres pensantes, depende dos outros. Novos, velhos, crianças, bebés… todos precisam. Mas todos cagam em todos.

_é algo bastante básico mas também complexo, é a nossa essência natura, só conseguimos viver em comunidade. O problema reside no facto de que nem todos dão valor às mesmas coisas, isso leva-nos inevitavelmente ao melhor e ao pior da raça humana.

_somos seres iguais! Ninguém é mais que ninguém. Ninguém devia matar ninguém, mas quantas vezes já levaste um tiro? Quantas vezes já te mataram e já mataste… como é possível as mãos humanas carregarem armas e ao mesmo tempo acariciarem crianças?!

_criámos deus e aniquilámos deus. Criamos utopias porque não somos deus. Caminhamos a passos largos sob mentiras para a nossa auto-destruição. É fácil de ver, contudo ninguém parece preocupado. Falo de todos nós! Falo também dos nossos “líderes” que só querem o nosso bem. Todos eles só querem o nosso bem, é curioso… e nós as massas, a eterna plebe, permitimos que eles nos levem, que nos dominem, que sejam mais que nós… até quando? Quanto tempo falta para sermos ainda mais vigiados, controlados, para que entrem no nosso quarto?

_deixámos de ser livres à muito tempo, é tudo um jogo no qual entramos sem saber. Se jogares bem eles admitem-te! Mas terás que perder os escrúpulos e aprender a mentir.

_é um jogo muito semelhante ao xadrez, em que os peões são os sentimentos. Dão-nos a liberdade a comer, mas põem-nos em xeque com o medo. Acreditamos sempre no nosso domínio contudo qualquer tentativa de ataque é inútil perante a repressão policial, mas é tudo para o nosso bem… é uma questão de tempo para que a nova ordem ser implementada, até ao xeque-mate.

_mas nós somos boas pessoas, somos iludidos e aceitamos tudo: a propaganda, a contra-informação, as mentirinhas todas. Acreditamos que o homem chegou à lua… e que os árabes são os maus.. perdemos tempo com o brinquedo deles: a televisão, andamos sempre ocupados com a nossa triste vida, mas são eles que fazem a nossa vida triste! estabelecem o que vês, o que ouves, o que comes, o que vestes, o que pensas! Não tem fim! E criam as modas para nunca te cansares disto.

_não sei até que ponto os meus pensamentos te interessam… não fujas do sistema, eles matam-te! Apenas quero que saibas que eles dormem com os pés de fora! Quero que eles saibam que eu sei que dormem com os pés de fora.

_2.10 euros… foi o preço de 40 minutos de pensamentos.

segunda-feira, abril 10, 2006

_desalento resignado

_quando o cansaço chega, destrói o pouco bom senso que nos resta. somos levados por forças impiedosas às águas mais profundas do oceano do terror.

_a podridão reflecte-se… ficas podre, sentes-te podre, cheiras a podre, estás podre… e porque atingir tal estado? existem dois caminhos possíveis: por compromisso ou pura inocência.

_todos deviam passar por tremendo degredo. o degredo prende-te os pensamentos, altera a perspectiva dos objectos, oculta as vicissitudes da vida. tal experiência é necessária para espreitar por detrás do cenário.

_hoje fiquei no degredo, sinto-me o degredo, cheiro a degredo, estou degradantemente no degredo. estou igual a tantos outros dias, mas consciente… mais consciente, acho eu.

_o desalento chegou, trágico como sempre, pontual, fatal. não quer partir... cresce, aumenta e aumenta, ganha resignado como sobrenome. _desalento resignado.

_hoje este ser casou comigo. estamos em lua-de-mel, somos um só. tento expulsa-lo pois não quero esta união. mas não consigo, não posso recuar no tempo.

_é como diz o poeta: “somos todos escravos do que precisamos…” e eu entendo e tento diminuir as minhas necessidades, não quero ser escravo… tento descobrir quais são essas necessidades. apenas sei que sofro por elas, desço baixo por elas, atinjo a demência por elas… não as respeito de todo.

_uma energia gerada de repressões e depressões, éticas e morais, cresce dentro de mim. seiva ácida percorre-me as veias, não suporto… dou o tilt, expludo!

_mil e um pensamentos voam na minha mente, não há controle, continuo exausto, continuo a explodir. ultrapasso limites, quebro barreiras, plano na iminência doutro tilt…

_discernimento… onde estás bom amigo? equilíbrio? onde estás? noção? valor? software? ninguém está comigo… entrego-me já prostrado no lodo àquele que sempre me amparou, o velho destino. nele, não acredito, não confio, não deposito qualquer esperança, aliás não o conheço de parte nenhuma.. mas ele paira… e de quando em quando obriga-me a reflectir, como agora por exemplo. é um bom velho este meu filho. fico à espera do que ele me reserva…

quarta-feira, abril 05, 2006

_receita

_pause. pára tudo! Pára e olha em volta.

_levanta o espelho, volta atrás no tempo.

_play. assiste ao teatro da vida, aprecia o acto da tua passagem.

_devagar… analisa cada frame, cada palco, cada elenco, cada fala, cada expressão, cada actuação tua.

_avalia. pondera, não te precipites.

_esquece! não podes mudar o que vês…

_tenta esclarecer dúvidas, interiorizar, equacionar, perceber na essência o teu papel.

_não fique chocado ser!

_o primeiro chuto é a consciência. Já tens consciência?

_não?! consegues ver a tua direcção? humm.. pensa nisso, sim? E questiona-te novamente. vá lá tu consegues…

_de cobertor em cobertor, sobes mais alto, trepas pelas tuas entranhas ao cume da loucura. se fores pelo mesmo atalho que eu, contorna as portas do inferno, atravessa o mar da desilusão e entra na cidade do injusto. à direita, numa esquina escura e húmida a cegueira está sentada. sempre muito serena, de preto e cigarro ao canto da boca.

_um dia sussurrou-me de olho fechado que a vida não é uma receita… sair do cubo aprende-se sozinho , assume diferentes formas e interpretações, não se encontra nos super-mercados…

mercearia

_2 kg de bom senso

_500 g de iniciativa

_1 kg de cultura urbana

_1 kit de filósofo instantâneo

_3 pacotes de discernimento

_2 bilhetes p`a parada canibal

_caga, não tenhas trabalho… eu digo-te o que és! digo-te o que sou: és um palhaço! serei sempre um palhaço! por mais que penses o contrario, és palhaço. não tens fuga possível! xeque-mate, estou encurralado! no teu mundo, no meu mundo, até que eles se separem.

segunda-feira, abril 03, 2006

_tudo está partido

_tudo está partido, e dança… fantasmas arcaicos pairam sob nossas cabeças, quando a verdade assassina recusa partir.

_somos todos estranhos. Faces do bem, faces do mal. preconceitos presentes.

_ninguém te conhece, ninguém te vê quando estás só… ninguém sonha como és… e quando sonham, vêem apenas o que esperam de ti. Bem ou mal, sonham.

_todos morrem, todos morrem, todos morrem… poucos são recordados… demasiado poucos. faces do bem, faces do mal, todos morrem.

_tudo se reflecte na morte, tudo é reflectido na vida. desejo, paixão, inveja, vontade, incerteza, anseio, receio, amor…

_cães abandonados sobrevivem sob campas de antepassados esquecidos.

_cães danados vingam-se neste canteiro de todos os abusos que sofrem.

_faces boas, faces más, preconceitos ausentes.

_areis movediças apanham-nos desprevenidos, nus. e prendem tudo o que nos resta . e puxam todo o bem que nos resta. E o que nos resta? Talvez o desejo de sair ou a vontade de ficar e descobrir o fundo.

_que se foda este mundo de merda! Merda para este mundo de fodas… fodasse para esta merda de mundo que é só teu.

sábado, abril 01, 2006

_atlas

_no ceio da cegueira a ilusão permanece a única arma dos mágicos… eles são os pintores, os dotados de visão, que vêem e prevêem o futuro de todos nós. _e nós cegos somos iludidos, levados a crer em contos, em histórias de embalar. _se algum de nós ousa entender, desvendar, ver o real, é louco… e dilui-se em ilusão.

_sinto-me ilusório, imaginário, mentira. Ainda não sou louco, pelo menos daqueles loucos que viram à transparência as incongruências deste mundo. Eu caio, escorrego sempre nas incertezas, nos sentimentos dúbios… começo lentamente a construir um puzzle mental de infinitas peças, sei que nunca acabará.

_só me resta, saber até quando este jogo me irá cativar. Espero que muitos anos, pois mato-me no dia em que estas peças acabarem ou me saturarem.

_acredito no 2º caminho…